Soma ouve música torta e bate um papo com Kevin Drumm

Noisemaker estadunidense volta ao Brasil e botamos umas faixas estranhas para ele ouvir

POR RAQUEL SETZ
publicado em 17.09.2012 16:33  | última atualização 18.09.2012 11:11

Kevin Drumm POR Lasse Marhaug

Após um ano, eis que Kevin Drumm volta para o Brasil para mais uma série de shows barulhentos dos quais todo mundo sai surdo e zureta – e sim, isso é lindo. Como já entrevistamos o cara em 2011, aproveitamos a nova passagem para, tungando gentilmente o conceito da Invisible Jukebox da Wire, mostrar uns sons e conversar sobre influências e experiências. E claro que a seleção contém só a nata da música errada mundial.  

Música: “Metal Machine Music part 1”
Artista: Lou Reed
Álbum: Metal Machine Music



Eu sei o que é isso. Metal Machine Music. Foi o que pensei, mas precisava ouvir a guitarra acelerada.

Pessoalmente, acho esse disco quase impossível de ouvir, mas sei que é muito importante. Talvez Merzbow ou mesmo você não fariam o que fazem se ele não existisse.

Não foi uma influência, mas acho que é um disco muito bom. Gosto mais dele do que de qualquer outra coisa do Lou Reed. Acho que é fácil de ouvir – sem querer dar uma de durão nem nada. Fui ouvir só no fim dos anos 90, porque estava for a de catálogo. Amigos falavam sobre ele, alguns diziam que era uma merda, outros que era ótimo, então eu nem tinha vontade de ouvir. Mas aí eu finalmente escutei e curti.

Também escolhi esse disco porque para mim e para muitas pessoas o Velvet Underground foi a porta de entrada para o barulho. Qual disco ou artista foi a sua porta de entrada para o barulho?

Acho que Borbetojam, do Berbetomagus e amigos. Antes, já tinha ouvido um pouco de free jazz, mas o Borbetomagus tinha guitarras e era mais barulhento. Comprei esse disco no fim dos anos 80 e nem sabia o que era. Tinha uma entrevista na parte de trás e eles falavam sobre bagunçar com os captadores da guitarra e fazer barulho. Achei interessante e comprei. Na real, nem curti tanto, mas ouvi muito, porque era meio… não diria misterioso, mas eu não conseguia entender. É um desses discos que eu ponho de vez em quando e tento sacar qual é.

Música: “Poème Électronique”
Artista: Edgard Varèse




Parece Stockhausen…

Quase.

Soa como algo antigo, mas com um som bem claro.

É um dos pioneiros.

A primeira parte me lembra Xenakis.

Está chegando mais perto.

É francês?

Sim.

É Pierre Henry? Schaeffer?

Não.

Não é Parmiggiani e não é Bayle? Quem é?

Edgard Varèse.

Eu deveria saber…

A música eletroacústica é uma influência no seu trabalho?

Alguma coisa, mas não as antigas. Gosto de "Mikrophonie" do Stockhausen, música concreta francesa. Gosto de Varèse, mas não ouço muito.

Música: “Uexkull”
Artista: Zbigniew Karkowski
Álbum: Uexkull




Isso é um baixo acústico ou eletrônica?

Não sei… É da Polônia.

É velho?

Dos anos 80. Esse cara é conhecido por detonar PAs.

Parece Karkowski.

Sim!

Foi a primeira coisa que pensei. Gosto desse disco, ouvi pela primeira vez no começo dos anos 90. Foi bem antes de ele começar a usar síntese granular e computadores. Acho que é um baixo acústico ali.

Escolhi essa faixa porque eu estava lendo uns textos do Karkowski e ele tem uma abordagem anti-intelectual da música, ele diz que quer fazer música para todos os sentidos, não só para o cérebro. E isso me lembrou muito seu show no ano passado, porque foi uma experiência física e, durante uma hora, parecia que nada mais existia no mundo além daqueles sons, eu estava completamente submersa naquilo.   

Eu acho que, se vai ser algo desse tipo, é preciso ter muita força por trás. É importante sentir fisicamente, senão é meio irritante até. Não estou interessado apenas em volume super alto, mas também no super baixo. Já fiz shows com o volume muito alto e outros bem silenciosos, e posso dizer que os silenciosos são bem mais intensos, porque você tem que ficar quieto e as pessoas não estão acostumadas com essa música cheia de espaços. Se é bem alto, você pode berrar que ninguém vai ouvir. Mas se é silencioso, dá para ouvir as pessoas engolindo, estalando as articulações, movendo a cadeira. É muito mais intenso.

Música: “Broken Fingers Point Upwards in Vain”
Artista: Gnaw Their Tongues
Álbum: All the Dread Magnificence of Perversity




É americano?

Não.

Não sei o que é.

É uma one-man-band chamada Gnaw Their Tongues, da Bélgica.

Nunca ouvi.

Escolhi essa porque sei que você é fã de black metal e essa banda mistura black metal e noise – na verdade, também pensei em botar Abruptum. O black metal é uma influência direta no seu trabalho?

Não.

Você ouve só por diversão.

Sim. Mas não metal desse tipo, e sim o metal que eu cresci ouvindo e ainda curto. Mas as pessoas falam de black metal porque eu lancei esse disco chamado Sheer Hellish Miasma e as pessoas acharam que eu estava tentando fazer um tipo de black metal experimental, mas eu não estava. A única coisa em comum era a distorção com fuzz, tipo Burzum e tal. Sempre gostei do som da guitarra com pedal fuzz ligado direto na mesa. Tem uma faixa no Sheer Hellish Miasma que é a mesma coisa, só que com feedback.

Música: “Nag Bdud Ceremony”
Banda: Phurpa
Álbum: Nag Bdud Ceremony



(depois de um minuto e pouco) A música não muda.

Eu estava tipo: isso é throat singing tradicional ou devo esperar uma guitarra aparecer?

É uma banda russa que toca música tradicional tibetana, chamada Phurpa.

Quando você falou Rússia, logo pensei “Provavelmente é Phurpa”. Eles estão na gravadora do Stephen O’Malley.

Você trabalhou com drones em alguns álbuns, e parece que todo mundo que trabalha com drones acaba se apaixonando por música indiana ou tibetana.

Não curto ragas indianos e tal. Throat singing é legal, eu me interessei por isso uns 20 anos atrás, mas não ouço muito agora.

Eu acho incrível porque, quando nós, ocidentais, ouvimos Phurpa, soa como trilha sonora de filme de terror, e para os tibetanos é música religiosa. Eles fazem por uma razão e quando ouvimos sentimos outra completamente diferente. Já aconteceu de alguém te procurar depois de um show e falar algo que você nunca imaginou que pudesse despertar nas pessoas?

Teve um cara dois anos atrás. Eu toquei com o Radu Malfati e o Lucio Capece. Radu toca música extremamente silenciosa. Fizemos uma turnê e foi muito desafiador para a plateia. Como eu disse antes, algumas pessoas não conseguem lidar com o silencioso. Elas saem da sala, porque se sentem aprisionadas. Fizemos seis shows, e no ultimo, um cara – não sei se ele estava chapado, mas ele pareceu sincero e disse que nas partes em que o som estava bem baixo, ele sentiu que todos os sons estavam contidos ali. Eu nunca tinha visto dessa forma. Muitos sons eram ruído branco, mas com o volume bem baixo. Esse cara se concentrou tanto, esvaziou a mente, que um novo mundo se abriu para ele nesses pequenos sons. Eu achei incrível o que ele disse. É o que o Radu Malfati tenta fazer. Você conhece o artista James Turrell?

Não.

Ele faz umas instalações em que você entra em uma sala totalmente escura, olha para uma parede e não vê nada. Mas aí você continua olhando e de repente seus olhos se ajustam e você consegue ver todas essas cores, todas essas coisas na parede que não via antes.

É só uma parede preta?

Não, as pinturas estão lá, mas você não consegue ver assim que entra porque está completamente escuro. Você tem que relaxar, esperar um tempo, e aí de repente você vê verde, vermelho. É a mesma ideia na música do Radu. Então quando o cara disse aquilo, fiquei feliz de ver que alguém teve essa experiência. As pessoas que conhecem esse tipo de música muito bem e já estão meio cheias, essas são as piores, elas ficam tipo: “pffff…”.

É muito comum em música experimental que as pessoas saiam da sala no meio da apresentação. Você sente isso acontecer com mais frequência quando está tocando música agressiva ou silenciosa?

Eu percebo mais quando é silencioso, porque sair de uma sala quando as coisas estão silenciosas é um movimento grande. Eu não olho para a plateia, só olho para as minhas coisas, então quando o volume está alto não consigo ouvir se alguém está saindo da sala.

Música: “Pov Piti”
Artista: Matana Roberts
Álbum: Coin Coin: Chapter One (Gens de Couleur Libres)




É norueguês?

Não. Ela tocou com você no Brasil.

(supreso) Ela tocou comigo no Brasil? Ela tem uma boa voz… Tem certeza que ela tocou comigo no Brasil?

Tenho. O instrumento principal dela é o saxofone.

De onde ela é?

Chicago.

Não é a Matana…

Sim.

É? Uau. Nunca ouvi isso, nunca ouvi a voz dela, só o saxofone.

Você é próximo da cena de free jazz e improvisação livre de Chicago?

Sim. Estive envolvido por um tempo e meio que ainda estou.

Quando?

Nos anos 90. Eu tocava com Ken Vandermark, Weasel Walter, várias pessoas. Eu tocava guitarra barulhenta, guitarra preparada. E depois, eletrônica. Toco com Paul Lovens e Axel Dörner, mas não fazemos muitos shows. Gosto de tocar com eles, é difícil, não sei para onde a música vai.

E como foi tocar com a Exploding Star Orchestra? Porque eu estava no show e – posso ser totalmente sincera? – eu odiei.

Digamos apenas que eu fiquei surpreso. O Rob me chamou para tocar com ele no Brasil, eu só tinha tocado com ele uma vez antes e não era assim. Eu já tinha tido essa experiência antes, de estar em um grupo e não entender por que estou naquele grupo. Tinha bastante groove, dava quase para dançar. E tinha partes em que isso era quebrado e o Rob dizia: “agora você toca em um trio, pare de tocar aqui, volte a tocar ali”. Eu não percebi do mesmo modo como você percebeu da plateia, mas fiquei meio perplexo porque eu não sabia o que estava fazendo ali. Nem sei que tipo de música era aquela.

A minha impressão foi de que ninguém parava de tocar nunca. Então não consegui ouvir a Matana tocar, não consegui ouvir você tocar.

Bom, eu parei de tocar, disso tenho certeza. Teve um momento em que parecia inútil fazer qualquer coisa, então eu parei e fiquei ali sentado assistindo à banda. Mas aí o baterista Mike Reed falou “Vamos!”

Música: (sem título)
Artista: Objeto Amarelo
Álbum: Sinais de Fumaça


[Não achamos a track em streaming. Carlos, a gente pode subir ela no nosso soundcloud? Diz que sim =)]

Vou dar um chute: é Vatican Shadow?

Não. É brasileiro. (depois de uns trinta segundos) Quer uma dica? Você tocou com ele no Brasil. Não na Exploding Star Orchestra (risos).

Ah, é o Carlos? Objeto?

Sim. Como foi essa colaboração? Vocês planejaram algo ou foi completamente improvisado?

Eu cheguei de viagem, nos encontramos e ele disse: “Quer ir ao estúdio e tocar um pouco?”. Não foi algo do tipo “Vamos ver o que faremos hoje à noite”, era apenas tocar. Ele gravou e não falamos sobre o que deveríamos fazer.

Foi incrível. Em música improvisada, é comum haver algumas partes em que dá para sentir que os músicos se perderam. Mas nesse show a música tinha um caminho bem claro.

Mas às vezes é legal quando está perdido, você não acha? Prefiro essas situações àquelas fáceis em que você sabe que ao menos vai ser competente. Eu toquei com o trio com Lovens e Axl Doner no ano passado e foi muito difícil. Tem vezes em que você pode tocar uns sons e relaxar, mas na minha cabeça eu ficava “ai, meu deus, isso não está funcionando, não sei o que fazer!”. Era muito tenso e no fim meus ombros estavam travados. Com eletrônica é um pouco mais fácil.

Quando você toca sozinho, segue um mapa?

Às vezes eu preparo alguns efeitos no computador que não consigo fazer analogicamente. Mas é só.

Essa última eu tenho certeza que você nunca ouviu, mas quero te mostrar. É uma banda brasileira.

Milton Nascimento?

Não!

Música: "Teletransputa"
Banda: Satanique Samba Trio
Álbum: Misantropicália




Chama-se Satanique Samba Trio. Me lembra bastante John Zorn.

Eu ia dizer que me lembra o Naked City, do John Zorn, mas talvez melhor. Prefiro as partes com samba. Eu gostava muito do Torture Garden quando era mais novo e ainda gosto, mas nem tanto. Isso aí é legal, é um gênero diferente sendo picotado da mesma maneira como o Naked City fazia.

tags:
 satanique samba trio, kevin drumm, lou reed, objeto amarelo, matana roberts, invisible jukebox, edgard varèse, phurpa, gnaw their tongues, Zbigniew Karkowski

mais lidas

somacast




reviews

 

melhores soma

discos
faixas

Julia Holter Ekstasis

The Thing & Neneh Cherry The Cherry Thing

Hot Chip In Our Heads

 

“Da Estação São Bento ao Metrô Santa Cruz” . Rappin Hood part. Emicida Dupla une gerações do rap em torno da história do hip hop brasileiro

livros & quadrinhos

Jake Adelstein Tóquio Proibida

Lourenço Mutarelli Quando Meu Pai Se Encontrou Com o ET Fazia Um Dia Quente

Marcello Quintanilha Almas Públicas

Vários Autores (org. Lucas Ribeiro) Transfer – Arte Urbana e Contemporânea

filmes
games

Pearl Jam . PJ 20 Cameron Crowe . Sony Music . 2011

Itamar Assumpção . Daquele Instante em Diante . 2011 Itamar Assumpção . Daquele Instante em Diante . 2011

Infinity Blade II Epic Games e Chair Entertainment . 2011

ICO and Shadow of the Colossus Collection Sony Computer Entertainment . 2011

mais reviews