Exclusivo . Bruno Kayapy fala à Soma sobre o futuro do Macaco Bong

Depois da saída do baterista Ynaiã Benthroldo, guitarrista diz que vai transformar grupo em projeto itinerante

POR AMAURI STAMBOROSKI JR. E MATEUS POTUMATI
publicado em 25.04.2013 10:47  | última atualização 25.04.2013 16:16

Bruno Kayapy POR Divulgação

A notícia veio como susto para vários fãs do Macaco Bong, trio de rock instrumental formado em Cuiabá no início da década passada: Ynaiã Benthroldo, baterista da banda, anunciou sua saída do grupo em sua página pessoal no nesta terça-feira (23).

Um dos membros fundadores da banda (ao lado de Ney Hugo, que saiu em 2012, e de Bruno Kayapy, único membro da formação original que segue no Macaco Bong), Ynaiã diz que vai partir para “novas empreitadas”, sem especificar seu novo rolê – mas, quem acompanha o perfil do músico, pode observar a aproximação do baterista com o hip hop, incluindo o parceiro de Fora do Eixo Linha Dura.

Solto no mundo, e sem especificar o futuro do baixista Gabriel Murilo (que substituiu Ney), Kayapy explicou à Soma que pretende transformar o Macaco Bong num projeto aberto, colaborando diretamente com outros artistas e até colocando vocais nas músicas do grupo até então exclusivamente instrumental. O projeto começa já em maio, ao lado do grupo Skrotes, de Florianópolis. Para o segundo semestre, Kayapy quer levar o Macaco Bong à Argentina.

"O Macaco Bong entra em um novo ciclo. Vai se abrir para “vivências” ao lado de outros músicos, que trocarão experiências com a banda na estrada, em gravações conjuntas, experimentos e demais laboratórios. É o momento para as bandas ressignificarem seus formatos de shows"

Nesta entrevista exclusiva, o guitarrista lembra os bons momentos ao lado dos colegas de banda, lembra como o processo de trabalhar junto ao Espaço Cubo – espaço colaborativo pioneiro em Cuiabá – desgastou a relação entre os membros, conta como, após quase abandonar a música, convenceu-se a voltar à guitarra em uma “cachaçada com os brothers de infância”. A seguir, Kayapy fala com exclusividade à Soma sobre seus planos para o futuro, os altos e baixos no relacionamento com os membros da banda e do coletivo Fora do Eixo, revela um problemas de saúde sério que enfrentou e põe na balança outras glórias e percalços na trajetória de um artista igual a pedreiro.




Da esquerda pra direita: Gabriel Murilo, Bruno Kayapy e Ynaiã Benthroldo por Rodrigo Valente (2012)

Qual é a situação atual do Macaco Bong? Você já tem membros substitutos? Quais compromissos estão marcados para o grupo?
 
A banda agora entra em um novo ciclo. Ela vai se abrir para “vivências” ao lado de outros músicos, que trocarão experiências com a banda na estrada, em gravações conjuntas, experimentos e demais laboratórios. No momento a primeira banda a colaborar com o Macaco serão os membros do Skrotes, grupo instrumental de Floripa. Estamos saindo para uma turnê juntos em junho e julho, vamos compor novos sons e gravar algumas coisas também, além de continuar tocando as musicas do Macaco Bong na mesma pegada de sempre. Quero também criar versões remix, trazer convidados, e vou fazer isso em Florianópolis durante o mês. Tenho acreditado cada vez mais que o momento é o de bandas ressignificarem seus formatos de shows. Estou super pilhado para entrar logo no estúdio, fritar os dedos e voltar aos palcos.

"Percebi que [o Yanaiã] já sentia um vazio dentro dele há um tempo em relação à banda, ele não estava feliz e estávamos há muito tempo sem compartilhar nossas angústias pessoais, conversar como dois irmãos mesmo"

Como foi a saída do Ynaiã? Foi algo de comum acordo ou uma decisão unilateral? E quando o Ney saiu, também foi tranquilo?

A saída do Ynaiã foi um processo. Ele enxergou uma necessidade de a banda dar um tempo logo no início da tour do álbum This is Rolê. Só que, depois disso, chegou um determinado momento em que começamos a perder patrocinadores. Eu cobrei uma posição mais determinada da parte dele e até então a meta era nos encontrarmos em julho, em São Paulo, para vermos como ficaria a banda. Mas logo vi que não mudaria muito de como estava. A tendência dele era se comprometer cada vez mais com outras demandas na Casa Fora do Eixo, senão não haveria sentido ele ter ficado lá esse tempo todo. Então tive o timing de não deixar com que 2013 fosse um ano perdido para o Macaco Bong e expliquei a ele a necessidade de que ele cedesse sua vaga a outro.

Não foi uma decisão nem um pouco fácil para mim ter que dizer isso para o Ynaiã, que além de tudo continuará sempre sendo um irmão pra mim. No fundo percebi que ele já sentia um vazio dentro dele há um tempo em relação à banda, ele não estava feliz e estávamos há muito tempo sem compartilhar nossas angústias pessoais, conversar como dois irmãos mesmo. A nossa relação se distanciou totalmente devido a essa intensidade do processo. O caso do Ney foi tranquilo. Apesar de ele ter saído, nunca consideramos ele como um “ex­membro” do Macaco Bong, a energia dele está sempre presente na banda e é muito boa. Ele escolheu o melhor caminho para si. A banda agora deixa de ser um grupo “casado” e passará a ser um grupo experimental: quero fazer músicas com voz, além das instrumentais, o leque foi ampliado. No inicio foi um drama, mas agora vemos que será a melhor sacada para a banda. Essa coisa primitiva de integrantes fixos é um formato muito quadrado no mundo da música popular.



Bruno Kayapy, Ynaiã Benthroldo e Ney Hugo em 2010 por Divulgação

Como é a sensação de ser o único membro original de um grupo? Você se sente “dono” da banda?

Ninguém que passou pelo Macaco Bong nunca foi e nunca será mais “dono” dela do que os demais outros. Todos os membros para sempre terão seus méritos, conquistas e importância no processo histórico do grupo. Todos eles tiveram suas responsabilidades e cumpriram todas elas com extrema competência, são ultra merecedores.

"Para fazer um controle de fluxo de todos, o Espaço Cubo cobrava diariamente um relatório de todos quem trabalhavam ali, para uma leitura dos perfis de cada um, do processo, das dinâmicas do grupo em si. Isso de certa forma fez com que parecêssemos que éramos concorrentes uns dos outros"

Como começou o seu desgaste em relação à vida na banda? Como está a sua relação com os outros membros?

O desgaste na verdade se deu a partir do momento em que o processo passou a instalar uma certa tensão na dinâmica de grupo no Macaco. Isso causou um espécie de afastamento. Essas tensões eram pautadas pelas diretrizes do processo. Enquanto estávamos em Cuiabá, não nos atualizávamos, por exemplo, sobre a vida pessoal de cada um. Isso prejudica muito a relação no caso de uma banda. A gente só se atualizava dessas coisas na estrada, quando dava, porque tínhamos uma dinâmica de fazer relatórios diários sobre nosso trabalho. Esses relatórios diários eram o seguinte: para fazer um controle de fluxo de todos, o Espaço Cubo cobrava diariamente um relatório de quem trabalhava ali, para uma leitura dos perfis de cada um, do processo, das dinâmicas do grupo em si. Isso de certa forma fez com que parecêssemos concorrentes uns dos outros, [que estávamos sempre] um de olho no outro. De certa forma esse cotidiano, se analisarmos historicamente, é o que acabou matando o rolê de muitas bandas.



Como foi a relação da banda com o Espaço Cubo e, posteriormente, com o Fora do Eixo? A parceria ainda funciona? Quais foram os momentos positivos e negativos dessa história?


O Espaço Cubo foi a base de fomento da primeira tecnologia de gestão de um ponto Fora do Eixo. Tal tecnologia hoje é empregada em diversos pontos FdE mundo afora, e a história do Macaco se baseou nesse processo. Ao mesmo tempo em que tínhamos os festivais (o Calango, realizado em Cuiabá, e o Grito Rock, que acontece em várias cidades da América do Sul, da Europa e chegou recentemente à Ásia), a gente tinha o Macaco Bong, que era o intercâmbio, e o Cubo, que era a tecnologia social: tinha estúdios, loja de discos, sala de multimídia, biblioteca. Ali a gente experimentou por anos, implementando o Cubo Card em diversos formatos de serviços, tangíveis ou intangíveis. A parceria entre Macaco Bong e Fora do Eixo vai sempre existir. Por eu ter participado desde o inicio da espinha dorsal de tudo, me servirá como uma referência eterna pra vida, não só do Macaco. Os momentos positivos são tantos que fica difícil listar, e não acho que eu poderia caracterizar como ponto negativo o fato de eu, por exemplo, ter tido minhas fases de rancor com o processo, porque foi um momento negativo pra mim. Todos os pontos negativos se basearam em conflitos pessoais meus com a minha saída desse processo.

"[No Espaço Cubo] a gente experimentou por anos, implementando o Cubo Card em diversos formatos de serviços, tangíveis ou intangíveis. A parceria entre Macaco Bong e Fora do Eixo vai sempre existir."


Você passou por problemas de saúde sérios nos últimos anos. Como isso se refletiu na banda?

Em 2009 eu tive um distúrbio intestinal e surgiu um tumor. Tive que ficar seis meses sem tocar, um bom tempo internado. De certa forma virou um tabu, porque naquela altura, se saísse uma noticia dessas, seria muito perigoso para a imagem institucional do projeto. Eu estava altamente magoado por ninguém ter ido me visitar no hospital e se eu falasse naquela pegada de rancor poderia acabar prejudicando até mesmo o processo de mudança do Macaco Bong. Eu também era muito novo, não cuidava da minha saúde direito, a gente fumava muito, bebia muita Coca­Cola, não bebia água direito, era muito louco. O bagulho era assim: se o trago do cigarro tava bom, não dava dor no estômago, ok, era hora de sentar e trampar. Quando batia aquela larica, cada um ia lá, pegava um copo de Coca-Cola e acendia outro Marlboro e voltava a trampar. Quando batia aquela mega fome desgraçada, a gente ia na esquina comer, fumando um cigarro, comia uns salgados e voltava fumando outro cigarro. Só dá para fazer isso enquanto se é jovem. Porém hoje eu tenho uma rotina mais saudável, minha qualidade de sono é melhor, tive que educar radicalmente minha alimentação após a retirada do tumor. Felizmente deu tudo certo, sem riscos, sem sequelas.




Qual foi o seu melhor momento com o Macaco Bong até hoje?


Todos! Ainda é, e vai ser mais ainda! A banda não acabou, pelo menos na minha consciência os que saíram nunca saíram, tenho certeza que a gente se encontrará muito. Estou muito empolgado com este novo momento da banda, mesmo!

"Em 2009 eu tive um distúrbio intestinal e surgiu um tumor. Tive que ficar seis meses sem tocar, um bom tempo internado. De certa forma virou um tabu, porque naquela altura, se saísse uma noticia dessas, seria muito perigoso para a imagem institucional do projeto"

Quais são os seus planos para o futuro? É sério que você chegou a pensar em largar a música?

Pensei nisso sim, porque no inicio eu me vi encurralado em Cuiabá, longe de tudo, bateu aquela bad vibe. Mas uma noite de cachaçada com os brothers de infância reconectou meu espirito com a coisa. Logo tive a ideia de fazer essa experiência de, ao invés de encontrar substitutos, abrir ações e vivências para outros grupos serem a banda de apoio do Macaco Bong. Faremos novas composições, arranjos, gravações, shows, turnês, teremos novos intérpretes, colocaremos vocais nas músicas. No final do segundo semestre estou indo para Buenos Aires fazer o mesmo processo de vivência, só que com bandas argentinas. Nos próximos anos quero circular mais no exterior também.

Dá para sobreviver da música? Dá sim, mas entenda que viver de música é um estilo de vida, se a sua intenção é pegar mulher e ser doidão, aconselho optar pelo pagode (risos)

Que conselhos você daria a quem está começando na carreira musical agora?

Dá para sobreviver da música? Dá sim, mas entenda que viver de música é um estilo de vida, se a sua intenção é pegar mulher e ser doidão, aconselho optar pelo pagode (risos). Uma coisa que a vida me ensinou hoje é que felicidade e sacrifício caminham juntos, um não vive sem o outro. Entendendo isso, toda e qualquer causa que você levar consigo terá o seu lugar. Não tem segredo proliferar um DNA de um grupo, criar uma química de banda ou grupo requer conhecimento científico, cultural e alinhamento de pensamentos e parcerias. Se você estiver todo dia ralando no lugar certo com as pessoas certas, você estará no caminho certo. Persista! Não deixe que a falta de grana seja empecilho, a criatividade pode surgir daí. As funções certas a se cumprirem no dia a dia. É você quem decifra e traz o diagnóstico: procure ter a visão de cima, faça planejamentos, crie planilhas, organize suas ideias, o mercado é um jogo. Não perca tempo com pegação, não procure por inspiração ou dom, seja a sua inspiração. Trabalhe duro em tudo aquilo de melhor que existe dentro de você, seja o mais dedicado e criativo que puder, exija de si mesmo! Ouça mais o que seu sangue tem a dizer para os seus objetivos. É preciso saber poupar o cérebro na hora certa, é preciso dar espaço para nosso coração tocar mais no ouvido das pessoas. Aprendendo a ouvir a si mesmo você transpõe tudo que vem a sua mente, mas não se iluda em confundir sensação com inspiração. Sensação vem da energia, a inspiração é relativa, para não dizer mito. Toda magia se cria trabalhando em cima dela pouco a pouco, de tijolo em tijolo, assim como em uma carranca de madeira.

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 macaco bong, espaço cubo, fora do eixo, Bruno Kayapy, Ney Hugo, Gabriel Murilo, Ynaiã Benthroldo

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