Sónar SP dia 2

12.05.12 . Parque Anhembi

POR Amauri Stamboroski Jr. e Stefanie Gaspar publicado em 14.05.2012

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(Fotos por Fernando Martins Ferreira)

Com uma escalação ainda mais variada que a do primeiro dia, indo do drone à IDM, do pós-rock ao dubstep e do soul ao maximal, o segundo dia de Sónar SP, neste sábado (12) cumpriu o que muitos já esperavam – ser um dos mais fortes candidatos a festival do ano em São Paulo – e deu ainda surpresas sérias, como a recepção calorosa dedicada à Ryuichi Sakamoto e Alva Noto. Confira abaixo os melhores momentos do festival (não, não tem Justice nem Cee Lo, estamos falando de melhores momentos).

Leia aqui a cobertura do primeiro dia de Sónar SP


KTL

O Sónar Hall trouxe em seu segundo dia duas duplas representando importantes encontros recentes do avant garde musical. A primeira foi a KTL, formada pelo metaleiro slow-motion Stephen O’Malley (do Sunn O)))) e pelo cientista maluco noise Peter “Pita” Rehberg. Advogando em favor do extremismo sonoro em câmera lenta, o duo é um casamento dos infernos entre a guitarra drone de O’Malley – que em diferentes momentos também opera seu laptop – e as as modulações sintetizadas de Pita.

O mais interessante no KTL é a capacidade de explorar diferentes significações dentro do universo do drone. Há a fisicalidade da música tocada a um volume extremo, caçando efeitos físicos na plateia, há a capacidade de sustentar notas e procurar distorções aurais, há o terrorismo sonoro ritualizado que transforma o show em algo sadomasoquista - o dominador/ artista tentando elegantemente quebrar as resistências do dominado / plateia. Tudo parece importar milimetricamente, da posição e disposição dos amplificadores à procura do timbre perfeito ao ponto exato em que uma nota passa a soar. O’Malley é um verdadeiro metaleiro, por vezes se comportando como um Tony Iommi filmado pela Supercâmera, e parcela do escasso público (parte dormindo nas cadeiras, parte colado no palco) parecia mesmo saída de um show do Metallica ou do Carcass. O resto do público, que não estava colado no palco sentindo o drone no peito, sentava-se apático - ou dormindo. Talvez houvesse gente demais disposta a enfrentar o KTL por alguns minutos de paz. (AS)

Ryuichi Sakamoto + Alva Noto



É desconcertante assistir, em sequência, o KTL e o sutilíssimo duo nipo-germânico. Unindo também um instrumentista “físico” ao lado de um operador de loops, a dupla interrompeu os trabalhos do Sónar Village, palco quase colado ao Sónar Hall, porque o som de um Rustie da vida vazaria sobre os silêncios e texturas, esmagando a apresentação. Isso causou um fenômeno interessante: com o Club, palco principal ainda fechado, toda a plateia do festival no momento acabou se concentrando no Hall, no que deve ter sido um dos concertos mais lotados da dupla.

Sakamoto e Noto têm uma noção diferente de avant garde que seus antecessores no palco. A estrutura básica do show implica em loops disparados pelo alemão, manipulados com muito critério, enquanto o pianista japonês pinta, com pouquíssimas notas, uma paisagem por sobre as repetições semi-concretas. Os loops de Noto passam longe de beats e circularidades melódicas, mais focados em texturas e assimetrias, como se fossem cortados e repetidos nos momentos errados. Sakamoto, por sua vez, se expressa com desenvoltura dentro da própria economia: cada nota e acorde equivalem a um solo, construindo uma narrativa onde o que não aparece é tão importante quanto o que é dito, enquanto os efeitos visuais comandados por Noto servem de guia para o que está acontecendo, como uma mandala hipnótica. O resultado disso é um público impressionado e impressionante em seu entusiasmo e atenção. Os chatos conversando existem, é claro, mas foram calados rapidamente com inúmeros “pshhhhh” (um dos piores momentos foi quando o homem-capacete-luminoso da Samsung apareceu no fundo gritando “CARALHO!” ao encontrar algum amigo), enquanto os aplausos nos intervalos das músicas são incrivelmente fortes, culminando com uma ovação generalizada ao final da apresentação. (AS)

Rustie

Depois de uma hora e meia de atraso, o escocês Rustie subiu ao palco do Sónar Village para uma das apresentações mais aguardadas do segundo dia do festival. Mesmo enfrentando diversos problemas de som - seu show precisou ser interrompido três vezes -, o garoto prodígio da Warp não decepcionou em sua estreia no Brasil. Abraçando o mesmo conceito do maximalismo sci-fi de seu trabalho mais recente, Glass Swords, o produtor apresentou um set cortante com seus habituais baixos estridentes, bateria eletrônica e trilha de videogame.

O curioso do show do escocês é a criação de uma dinâmica ambígua com o público - mesmo quando anuncia o pico de cada música, Rustie engana a plateia fingindo que vai soltar o grave e chegar ao ponto alto da canção, mas muda o beat no meio do caminho e deixa todos ao mesmo tempo frustrados e impressionados. Era interessante ver a plateia morrendo de vontade de dançar (e conseguindo em vários momentos, como na hora do single “City Star”), mas não sabendo exatamente como fazer isso, já que não existia noção exata de melodia e os beats eram muito entrecortados para permitir uma progressão previsível. O wonky beat de Rustie traz ao vivo uma destruição brutal de qualquer tipo de separação entre sonoridades, unindo em sobreposição elementos do trance, IDM, dubstep sujo, hardcore rave, pirações 8-bit e hip hop. Por vezes é uma mistura difícil de processar, porque o produtor toca exatamente da maneira que produz: não deixando nenhuma influência de lado, nenhuma opção descoberta. A música de Rustie é a da velocidade da informação e do excesso de conteúdo. É a música do presente, do agora. (SG)

Mogwai



Se o Mogwai deixou uma lição para o Sónar é a de que não se deve subestimar o poder agregador do pós-rock. Com o hall lotado, a ponto de impedir a entrada do público após o início do show, o quinteto escocês explodiu centenas de tímpanos com suas dinâmicas lentas e picos apoteóticos. O volume das caixas de som mostrava uma verdade simples: o Mogwai não faz sentido ouvido com o seu fone de ouvido podre comprado no camelô. Ele precisa ser ouvido alto, para que os vales e montanhas de intensidade sejam experenciados com precisão.

Com metade do repertório calcado no último álbum, Hardcore Will Never Die, But You Will – incluindo o grudento riff sabbathiano de “Rano Pano” e a viagem motorik de “How to Be a Werewolf” – o grupo arrancou vários gritos entusiasmados e mãos fazendo lml (o cumprimento metaleiro) da plateia, enquanto no telão ao fundo vinham imagens do amanhecer em paisagens urbanas ou de estradas no campo vistas de dentro de um carro. Se o pendor melódico do grupo é inconteste, por vezes o “épico” pode chegar à beira do ridículo (ou, como disse nosso editor de conteúdo, “U2 sem a culpa católica” UPDATE: na real o Mateus diz que disse que era o "U2 com sentimento de culpa") e do formulaico. Porém é em momentos como a linda e lenta “2 Rights Makes One Wrong” que tudo se encaixa e o Mogwai demonstra uma expressividade emocional muito rara no rock – admitamos que os escoceses são muito mais “rock” do que “pós” – instrumental, articulando um repertório de processos de parentesco plausível porém distante do minimalismo americano, de um lado, e o mesmo apreço desconfiado pelo pop de um Cure. (AS)

Flying Lotus

A discografia impressionante e a junção precisa de elementos do hip hop, jazz, psicodelia estrutural e música eletrônica torta já classificam um show do virtuoso Steve Ellison (aka Flying Lotus) como um dos destaques de qualquer festival. No Sónar São Paulo não foi diferente, e mesmo com algum atraso seu set lotou o palco Village, não sendo prejudicado pela concorrência de Mogwai e Cee Lo Green, que se apresentaram em horários semelhantes. O live de Ellison começou alternando entre introspecção rítmica e desconstrução de melodias, abrindo espaço para alguns remixes famosos (como “Niggas in Paris”, da dupla Jay-Z e Kanye West, e alguns trechos de músicas do Radiohead) e grooves intensos.

Logo em seguida, entretanto, a abordagem de sua apresentação entrou em sintonia com elementos de música mais voltados para a pista, deixando de lado os beats meticulosamente virtuosos em busca de um clima mais hardcore rave. Mesmo assim, as influências do dubstep, do free jaz e do glitch estão todas lá, transformando a estrutura do hip hop em uma ondulação de sons disformes, mas que se unem em uma mesma narrativa. Os arranjos meticulosos de Cosmogramma reaparecem, só que distorcidos para servirem ao propósito da pista - mesmo assim, é possível ver influências que vão de Coltrane a Sun Ra, de George Duke a Miguel Atwood-Ferguson (que trabalhou no álbum). Em entrevistas recentes, Ellison afirmou que o objetivo de seu trabalho é criar novas vibrações capazes de mudar concepções musicais - e ao vivo é possível entender com precisão esse tipo de mensagem espiritual. (SG)

James Blake

Tocando em trio – com Blake aos teclados e sintetizadores, um baterista que disparava também samples e um guitarrista que operava tons graves – o prodígio do “dubstep-canção” fez uma apresentação mais dançante do que provavelmente esperavam os fãs do aclamado álbum de estreia do produtor e cantor britânico.

Mesmo “Limit to Your Love”, balada jazz de Feist e “hit” de Blake, acaba ganhando um interlúdio dubstep, com fritações que incluem caixas-fantasma de dub, graves opressores e breakbeats chacoalhantes. Se por um lado a apresentação ganha com as explosões musicais, a suposta melancolia de sua música sofre com a falta de gravidade: Blake tenta fazer dubstep do abismo, mas se prende demais à superfície. Sua fossa é controlada, quase artificial, e se em tese a contradição poderia trazer novas aberturas e possibilidades, acaba por apenas empalidecer a apresentação e mesmo a persona do cantor. Melhor para quem estava na sintonia dançante, pior para quem esperava o novo blues urbano da juventude londrina: fica pra próxima, Blake. (AS)

Four Tet




Assistir a um live do Four Tet (codinome de Kieran Hebden) é uma jornada musical de compreensão: seguindo a noção de que o DJ é um pesquisador, um agregador de sons e um criador de narrativas dentro da pista, sua maior preocupação é criar uma atmosfera musical capaz de levar a todos, sem exceção, a uma jornada de conhecimento de sons, timbres, grooves e camadas. Não existe uma preocupação em entregar hits ou criar expectativas em torno de refrões ou picos de frequência, já que cada set é visto como uma unidade musical completa, uma narrativa única dentro de um tempo e espaço específicos. Os grooves redondos de Hebden mostram uma grande preocupação com a apreciação de elementos sonoros, de pura beleza estética, ficando longe de classificações de gênero ou estilo.

Assim como cada um de seus álbuns conta uma história relativa à sua experiência na cena eletrônica (seu live para a série Fabric é uma homenagem a cena 2-step, e o álbum mais recente, There Is Love In You, é um tributo às sonoridades testadas pelo produtor na pista da festa de techno Plastic People), cada um de seus sets diz respeito ao público que está ali e a proposta atual do artista. Ao contrário de diversos outros artistas que se apresentaram no festival, o Four Tet começou o show tocando para pouquíssimas pessoas e, aos poucos, foi conquistando um público heterogêneo que lotou o palco e bateu até mesmo a popularidade (em questão de quantidade de público) de artistas como Flying Lotus e Rustie. As jornadas musicais de Kieran Hebden são extensas e difíceis de classificar, indo com rapidez de grooves gordos à delicadeza da IDM, do techno ao house. E costumam valer a pena, como o show no Sónar comprovou. (SG)

Squarepusher



Quem esperava o retrô drum’n’glitch de “Come on my Selector” – talvez o maior hit do produtor britânico – se deparou com uma paleta sonora diferente, com sons sintetizados oitentistas e beats desacelerados. Apresentando basicamente o repertório de seu novo álbum, Ufabulum, Suqarepusher começa o show quase free-jazz, mas aos poucos vai passando para um discurso sonoro mais coeso, cheio de riffs.

No escuro, amparado por retângulos de led nas laterais e na frente da cabine, além de uma máscara de leds que le cobre o rosto, o produtor faz gestos como se discursasse por trás de uma vistosa bancada. O discurso do homem sem rosto é de um fascismo tecnológico claro – recentemente Squarepusher explicou que voltou a fazer música eletrônica “pura”, “melódica e agressiva”. A imagem combina com a música, que em sua progressão, soa como se o produtor estivesse contando a história da música eletrônica dançante produzida por um regime totalitário do futuro. Se isso é motivo para medo ou celebração, a cada um cabe a si escolher. (AS)

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